

Transtorno do Jogo
J. é um jovem adulto de 23 anos, origem asiática, frequenta a Universidade em seu terceiro ano. Realizava na ocasião da consulta, apostas esportivas em jogos de futebol com todas as suas variações (resultados, escanteios, finalizações, etc.). O acaso esteve ao seu lado, logo em sua primeira aposta, quando obteve um resultado positivo: uma vitória, o que desencadeou um papel fundamental na continuidade de seus comportamentos de apostar: “Dei o azar de ganhar, se tivesse perdido, acho que não teria apostado novamente”.
Comentário: Observemos aqui que J. não aposta ao acaso. Vejamos alguns termos e conceitos. O termo azar é empregado nesse caso como sinônimo de aleatório, ou evento ditado totalmente, ou pelo menos em parte, pelo acaso. O jogo de azar, por definição, envolve apostas e apostar significa empenhar um bem ou valor financeiro na previsão de um evento futuro, sendo que o resultado desse evento não depende das ações de quem apostou.
Depois de apostar em casas de apostas, começou a baixar aplicativos para smartphone. Após um período de cerca de quatro meses de jogo controlado, o comportamento de J. mudou em diversos aspectos: “Até dezembro do no passado estava segurando minhas apostas e conseguia fazer análises de probabilidades e resultados, mas de repente, tudo mudou e acelerou. Comecei a fazer apostas de grandes quantias de dinheiro, com piores probabilidades, em todas as oportunidades possíveis.”
Comentário: Apostar valores indiscriminadamente alterou completamente a relação de J. com as apostas esportivas, o que gerou mudanças importantes em suas crenças fundamentais e percepções cognitivas. “Até aquele momento, eu era positivo, mais vencia do que perdia ao fazer apostas”. Como em outros transtornos mentais, supõe-se uma complexa interação entre fatores biológicos e psicológicos na gênese do TJ, dados indiretos sugerem a participação da dopamina via sistema de recompensa cerebral. Além disso, supõe-se que apostar pode compensar um nível de ativação nervosa acima ou abaixo do ideal e assim, reparar, mesmo que momentaneamente, uma autoimagem comprometida promovendo alienação ou sensação de força e poder.
Jogar em aplicativos de smartphone promoveu em um aumento na frequência e no valor das apostas de J. Ele passou a encobrir seu envolvimento com o comportamento de realiza-las, mentindo para os pais e pedindo dinheiro emprestado, inicialmente para amigos e depois realizando empréstimos. Tentou algumas vezes desinstalar os aplicativos, mas a cada novo jogo voltava a apostar, tentando recuperar valores que precisava para pagar suas dívidas. “Comecei a me descontrolar, já não apostava pouco eram grandes quantias, o que me tirava o sono, fiquei muito aflito o que me causou problemas familiares e acabei trancando a faculdade escondido, além de perder o estágio”.
Comentário: J. nesse momento já apresentava um quadro clínico bastante comprometido. Em pouco tempo apresentava sintomas e comportamentos que, de acordo com o manual diagnóstico DSM5, o faziam preencher os nove critérios para TJ, sendo eles:
Critérios diagnósticos segundo o DSM-5
A. Comportamento de jogo problemático persistente e recorrente levando a prejuízo ou sofrimento clinicamente significativo, conforme indicado pelo indivíduo exibindo quatro critérios (ou mais) num período de 12 meses:
1. Necessidades de jogar com quantidades crescentes de dinheiro, a fim de obter a excitação desejada.
2. É agitado ou irritado quando tenta diminuir ou parar de jogar.
3. Tem feito repetidos esforços infrutíferos para controlar, diminuir ou parar de jogar.
4. É muitas vezes preocupado com o jogo (por exemplo, ter pensamentos persistentes de reviver experiências de jogo passadas, fragilizando-se ou ao planejar a próxima aventura, pensando em maneiras de obter dinheiro para jogar).
5. Muitas vezes, quando joga sente-se angustiado (por exemplo, impotente, culpado, ansioso, deprimido).
6. Depois de perder dinheiro no jogo, frequentemente volta outro dia para recuperar perdas.
7. Mente para esconder a extensão do envolvimento com jogos de azar.
8. Colocou em risco ou perdeu um relacionamento significativo, emprego ou oportunidade de educação ou carreira por causa do jogo.
9. Depende de outros para prover dinheiro para reviver situação financeira desesperadora causada pelo jogo.
B. O comportamento de jogo não é mais bem explicado por um episódio maníaco.
Além disso, como uma dependência comportamental o TJ apresenta fenômenos como a avidez (do inglês craving, ou fissura), perturbações verificadas em processos de tomadas de decisão, bem como distorções cognitivas a respeito de eventos aleatórios e com probabilidades de ganho com as apostas, o que deixa evidente o que habitualmente é relatado pelos seus portadores do transtorno em si.
Condução: A primeira medida sugerida para o caso foi à realização de avaliação psiquiátrica para confirmação diagnóstica, com indicação do uso de medicação diminuição da fissura e das comorbidades (sono e ansiedade). Após ser diagnosticado com TJ por seu médico, J. foi encaminhado para psicoterapia cognitivo comportamental. Psiquiatra e terapeuta adotaram estratégias motivacionais, para atuar na prontidão para a mudança e definição de metas. Em psicoterapia, após a realização da psicoeducação sobre TJ, foram introduzidas técnicas de mindfulness, de respiração diafragmática e relaxamento muscular progressivo, além da higiene do sono e a prática de atividade física exercícios, que também o auxiliaria a diminuir a fissura. e modificação da sua dieta.
Os padrões comportamentais e as disfunções executivas, quando reconhecidos e trabalhados foram parte fundamental em relação a prevenção de recaídas.
